segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Exposição de Atos 1.8: Características da Evangelização Bíblica

 

Titulo: Características da Evangelização Bíblica – Atos 1:8

Pregado na manhã de Domingo, do dia 30/01/11,

na igreja Reformada em Campinas Soli Deo Gloria,

por  André Aloísio Oliveira da Silva (Blog Teologia e Vida)


“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos 1.8).

Introdução

Irmãos, minha intenção nesta manhã é examinar esse texto de Atos com vocês e, à partir da exposição dele, apresentar algumas características da evangelização bíblica. Esse assunto é especialmente relevante para a nossa época por, pelo menos, duas razões:

Primeira, existe muita negligência atualmente quanto a esse aspecto do Cristianismo por parte dos cristãos professos. Há poucos cristãos evangelizando com suas palavras e suas vidas no dia-a-dia, e menos ainda os que se dispõem a deixar tudo para anunciar o Evangelho em lugares ainda não alcançados.

Segunda, entre aqueles que estão evangelizando, muitos há que o fazem de uma maneira não-bíblica, apresentando o Evangelho superficialmente e utilizando métodos pragmáticos, que visam mais ao entretenimento do que à salvação de almas.

Diante dessa situação, uma análise de algumas características da evangelização, segundo o ensino bíblico, será de grande utilidade para todos nós. Nós não examinaremos todas as características da evangelização de forma exaustiva, mas apenas aquelas que o texto dessa manhã nos apresenta, já que essa é uma pregação expositiva e não um estudo temático. Muitas outras características da evangelização poderão ser encontradas em outros textos bíblicos.

Contexto

Antes de mais nada, vejamos o contexto do nosso versículo. Ele foi dito por Jesus durante os quarenta dias em que Ele esteve com os discípulos após Sua ressurreição (v.3) e antes de Sua ascensão. Ele parece ser uma das últimas coisas que Jesus disse antes de ascender aos céus (vs.9-11).

Lucas registra o início dessa conversa de Jesus com os discípulos nos seguintes termos: “E, comendo com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque, João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1.4-5).

Jesus está falando sobre o batismo com o Espírito Santo que os discípulos receberiam após Sua ascensão. Mas, então, Ele é interrompido pelos discípulos que ainda têm uma visão materialista do Reino de Deus. Eles imaginam o Reino de Deus como um reino político a ser estabelecido na nação de Israel: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6). Jesus lhes responde mostrando o que realmente importa no Reino de Deus, e é nessa resposta que o nosso texto está inserido: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade; mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo...” (At 1.7-8).

Como ficou evidente, toda essa passagem tem como tema principal o batismo com o Espírito Santo e, o versículo 8 especificamente, apresenta-nos um dos resultados desse batismo: a evangelização. É esse versículo que examinaremos a partir de agora, para extrair dele algumas características da evangelização. Apesar desse versículo ter sido dirigido inicialmente aos onze apóstolos, ele contém princípios que são aplicáveis a todos os cristãos, conforme veremos no decorrer da exposição.

Examinemos, portanto, quatro características da evangelização bíblica que se encontram em nosso texto:

1) O Pré-Requisito Para a Evangelização: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo”.

A primeira característica da evangelização que o texto nos apresenta é que seu pré-requisito é o batismo com o Espírito Santo. Jesus disse aos discípulos que eles receberiam poder quando o Espírito Santo descesse sobre eles, e então eles seriam testemunhas de Cristo. Ou seja, o testemunho que eles dariam a partir de então dependia totalmente desse revestimento de poder proveniente do batismo com o Espírito Santo.

Mas o que é o batismo com o Espírito Santo? Antes de encontrarmos uma definição para ele, vamos examinar algumas passagens bíblicas sobre o assunto. Como minha intenção não é falar exaustivamente sobre o batismo com o Espírito Santo, não vou tratar de todos os pontos polêmicos relacionados a ele, mas apenas daqueles necessários à compreensão da relação existente entre o batismo com o Espírito e a evangelização.

O batismo com o Espírito Santo tinha sido prometido por João Batista e por Jesus. Como vimos no início do sermão, no contexto do nosso versículo (At 1.5), Jesus menciona a promessa de João Batista quanto ao batismo com o Espírito: “Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3.16). Jesus também referiu-se ao batismo com o Espírito em Jo 7.37-39: “No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. E antes de ascender aos céus, Jesus disse aos discípulos: “Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.49).

Essa profecia cumpriu-se no dia de Pentecostes, que era uma festa judaica. Assim Lucas registra o evento: “Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.1-4). Pedro, então, explica que esse batismo também havia sido prometido pelo profeta Joel: “Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel” (At 2.16). A profecia à que Pedro se refere é a seguinte: “E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias. Mostrarei prodígios no céu e na terra: sangue, fogo e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR. E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar” (Jl 2.28-32).

Mas, afinal, em que consiste esse batismo com o Espírito Santo? Duas passagens serão úteis para entendermos perfeitamente.

A primeira é o apelo de Pedro logo após sua pregação no dia de Pentecostes: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.38-39). Pedro diz que o dom do Espírito Santo, que é um sinônimo de batismo com o Espírito Santo, é recebido por todos aqueles que se arrependem e por todos aqueles que Deus chamar. Isso significa que todos os crentes recebem o batismo com o Espírito Santo no momento da conversão.

A segunda passagem está em 1Co 12.13: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito”. O significado desse texto no grego é que os crentes foram batizados tanto no Espírito quanto no corpo de Cristo, que é a Igreja. Wayne Grudem assim se expressa: “O Espírito Santo era o elemento em que eles foram batizados, e o corpo de Cristo, a igreja, era o lugar em que eles se achavam depois do batismo”.1

Essas duas passagens nos levam à conclusão de que o batismo com o Espírito Santo é recebido por todos os crentes no momento da conversão, ao contrário do que os pentecostais ensinam. Sendo assim, podemos definir o batismo com o Espírito Santo como Grudem: “‘Batismo no Espírito Santo’, portanto, deve-se referir à atividade do Espírito Santo no início da vida cristã quando ele nos dá nova vida espiritual (na regeneração), além de nos purificar e conceder um claro rompimento com o poder do pecado e o amor por ele (o estágio inicial da santificação). Nesse sentido, ‘batismo no Espírito Santo’ refere-se a tudo aquilo que o Espírito Santo faz no início de nossa vida cristã”.2

Dizer que o batismo com o Espírito Santo refere-se a toda obra do Espírito Santo no início da vida cristã não significa dizer que os crentes do Antigo Testamento não desfrutassem das bênçãos da salvação, já que o batismo com o Espírito é exclusivo da Nova Aliança. Os crentes do Antigo Testamento também foram regenerados, justificados, adotados e santificados. A diferença entre a obra do Espírito Santo no Antigo e no Novo Testamento não é de natureza, mas de grau. No Novo Testamento o Espírito Santo age na vida dos crentes de forma muito mais poderosa, num grau muito maior, e por isso essa obra do Espírito merece até um novo nome.

Tendo uma idéia mais clara sobre o que é o batismo com o Espírito Santo, podemos retornar ao exame da relação dele com a evangelização. Na própria profecia de Joel nós vemos essa relação de forma implícita, quando Joel diz que uma das conseqüências do derramamento do Espírito é que "todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo" (Jl 2.32). Ora, só é possível invocar o nome do Senhor depois de ter ouvido falar Dele, e só se pode ouvir falar Dele através da evangelização. Paulo expressa isso ao citar essa profecia de Joel: “Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10.13-15). Assim, vemos que a própria profecia de Joel apresenta o batismo com o Espírito Santo como um pré-requisito para a evangelização.

Nós vemos essa verdade de forma prática na vida dos discípulos após o Pentecostes. Os mesmos discípulos medrosos que abandonaram Jesus quando ele foi preso (Mt 26.56), após receberem o batismo com o Espírito Santo anunciaram a Palavra de Deus com grande ousadia: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus” (At 4.31). O mesmo Pedro que negou a Cristo três vezes (Mt 26.69-75) agora dava testemunho de Cristo com muita coragem: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36).

Qual é a importância prática de se saber que o batismo com o Espírito Santo é o pré-requisito para a evangelização? Um cristão poderia pensar que como ele já possui o batismo com o Espírito Santo, saber que isso é um pré-requisito para a evangelização não tem muito utilidade. Porém, esse é um grande engano. Conhecer o poder com o qual fomos revestidos quando recebemos o batismo com o Espírito Santo, na conversão, é fonte de grande motivação para a grande tarefa que temos pela frente. Hoje nós temos um poder para evangelizar muito maior do que qualquer profeta teve no Antigo Testamento. O Espírito Santo hoje opera em nós e nos usa de maneira muito mais extraordinária do que com qualquer santo da Antiga Aliança. Para ser testemunha de Cristo até aos confins da terra é necessário um poder espiritual de proporções gigantescas, mas nós temos esse poder em nós! Aleluia! Que esse fato nos leve a um testemunho poderoso a respeito de Cristo em nossas vidas diárias, como a continuação desse versículo expressa!

2) A Inevitabilidade da Evangelização: “e sereis”.

A segunda característica da evangelização que encontramos nesse texto é que ela é inevitável. Quando Jesus disse “e sereis”, Ele não estava dando um mandamento aos discípulos. Se fosse um mandamento Ele teria dito: “vocês deverão ser”. Mas Ele não está dando um mandamento, Ele está afirmando um fato inevitável: “vocês serão minhas testemunhas”. Assim que eles recebessem o batismo com o Espírito Santo, eles se transformariam, naturalmente, em testemunhas de Jesus.

Pedro expressa essa verdade algum tempo depois, dizendo: “Nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20). Ao ser intimado pelos religiosos da época a não mais falar sobre Jesus, Pedro responde que nem ele, nem os demais apóstolos poderiam deixar de falar do Evangelho. As coisas que eles viram e ouviram tinham se apossado do coração deles de tal modo que era impossível que eles não falassem delas. Era inevitável que eles pregassem o Evangelho.

Isso é verdade não só a respeito dos apóstolos da Nova Aliança, mas também dos profetas da Antiga. Jeremias fala da mesma coisa quando diz: “Quando pensei: não me lembrarei dele e já não falarei no seu nome, então, isso me foi no coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; já desfaleço de sofrer e não posso mais” (Jr 20.9). Jeremias estava sofrendo tanta resistência do povo de Israel que chegou a pensar em parar de falar da Palavra de Deus. Porém, esse pensamento queimou de tal forma em seu coração que ele percebeu que não podia se calar. Ele também não poderia deixar de falar das coisas que tinha visto e ouvido.

Mas a evangelização não era inevitável apenas para os apóstolos e profetas. Veremos mais adiante que alguns cristãos são separados para se dedicarem especialmente à evangelização, mas a evangelização não se limita apenas a eles. Pelo contrário, todos os cristãos vêem a evangelização como algo natural e inevitável. Em At 8.1 lemos que iniciou-se uma grande perseguição contra a igreja e, por conta dessa perseguição, todos os cristãos, exceto os apóstolos, foram dispersos. E em At 8.4 vemos que esses cristãos “que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra”.

Por que isso acontece? Por que esses crentes não apenas sabiam, mas também sentiam que a evangelização era inevitável para eles? Há algo na própria natureza do cristão que o faz uma testemunha. A evangelização está no próprio DNA espiritual do crente, de modo que ele não pode deixar de ser uma testemunha. Assim como um peixe não vive fora d’água, um cristão não vive sem evangelizar. Isso é verdade a respeito de todo crente que já pisou neste mundo, especialmente os da Nova Aliança, que receberam o batismo com o Espírito Santo quando creram.

Irmãos, não podemos nós mesmos dizer que isso também é verdade a nosso respeito? Creio que todos nós que já somos cristãos podemos testemunhar que logo após nossa conversão tivemos um desejo incontrolável de falar de Jesus às pessoas. Falávamos de Jesus em tempo e fora de tempo, na escola, na faculdade, no trabalho, para familiares, amigos e vizinhos. Versículos bíblicos e frases evangelísticas eram comuns em nosso Orkut, Facebook ou Twitter. Às vezes abordávamos até mesmo pessoas desconhecidas na rua, através de atividades evangelísticas de nossas igrejas locais ou mesmo por iniciativa própria. Mesmo os mais tímidos dentre nós achavam algum modo de testemunhar para seus amigos mais íntimos.

Nosso testemunho, porém, não se limitava apenas às palavras, mas envolvia também nossas atitudes. Testemunhávamos nossa fé quando dizíamos “não” ao pecado: “não” à embriaguez, “não” ao sexo ilícito, “não” à pornografia, “não” à preguiça no trabalho, “não” à vingança, “não” à fofoca, “não” à mentira. E também testemunhávamos nossa fé quando dizíamos “sim” à santidade: “sim” à meditação bíblica, “sim” à oração, “sim” à comunhão na igreja, “sim” ao amor ao próximo, “sim” às esmolas.

Mas creio que nem todos nós podemos dizer que as coisas continuam assim. Talvez o tempo tenha esfriado o nosso coração e nosso ardor evangelístico tenha desaparecido quase que completamente. O próprio Jeremias, conforme lemos, desejou se calar em determinado momento de sua vida. Como explicar isso, se a evangelização é natural e inevitável para o cristão? A explicação é que nós ainda não alcançamos a perfeição e ainda temos muitas incoerências. Em Rm 6 Paulo explica que o cristão já morreu para o pecado e, no entanto, ainda precisa lutar para não pecar. Existe um sentido em que o pecado já faz parte do nosso passado e não somos mais servos dele. Mas também é verdade que temos que batalhar diariamente para não cairmos em tentação. Transportando essa verdade para a evangelização, é verdade que todo cristão é uma testemunha por natureza e que evangeliza inevitavelmente. Por outro lado, também é verdade que o cristão pode ser incoerente e agir contra a sua natureza, deixando de evangelizar por um período de tempo.

Que lição podemos tirar de tudo isso? Saber que nossa natureza como cristãos é uma natureza evangelística deve nos levar a uma profunda reflexão sobre como estamos vivendo. Estamos sendo coerentes com a nossa natureza? Temos dado testemunho como testemunhas que somos? Se você tem deixado de testemunhar, como Jeremias em certo momento, você já deve estar sentindo seu coração queimar como fogo ardente. Só há uma solução para isso: arrependa-se do seu pecado e volte a testemunhar de Cristo. Faça das palavras de Jeremias as suas esta manhã: “já desfaleço de sofrer e não posso mais” (Jr 20.9). Não posso mais me calar, não posso mais continuar com essa incoerência! Perdoa-me, Senhor, e ajude-me, pela Tua graça, para que eu viva de acordo com a natureza que Tu me deste. Sou uma testemunha; portanto, dá-me graça para que eu testemunhe.

3) O Conteúdo da Evangelização: “minhas testemunhas”.

A terceira característica da evangelização que o texto menciona é que o conteúdo dela é o próprio Cristo. Jesus disse: “e sereis minhas testemunhas”. Os apóstolos testemunhariam de Cristo, Jesus seria o conteúdo da mensagem deles. A implicação disso é que evangelizar é falar de Cristo, pregar o Evangelho é pregar a Cristo.

Isso pode parecer muito óbvio para alguns, mas essa característica da evangelização precisa ser enfatizada em nosso tempo, porque muitos a perderam de vista. Basta que você ligue a sua TV em um programa dito evangélico para entender o que eu estou dizendo. Aqueles que deveriam estar pregando o Evangelho, cujo conteúdo é o próprio Cristo, têm pregado de tudo, menos a Cristo. Eles irão te ensinar como ser curado de determinada enfermidade, como ter sucesso em sua vida profissional, como conseguir o carro ou a casa dos seus sonhos, como ser vitorioso, enfim, como ser “cabeça e não calda”. Mas eles pouco ou nada dirão sobre a grandeza dos seus pecados e sobre o poder de Cristo para perdoá-los.

Como, então, deve ser a evangelização bíblica? A melhor forma de entendermos de que modo podemos apresentar Cristo como o conteúdo da evangelização é analisando a forma que os próprios apóstolos utilizaram para isso. Como eu sei que aqui na Soli Deo Gloria o genuíno Evangelho tem sido apresentado a cada domingo, vou me limitar a uma rápida apresentação do Evangelho, buscando ser simples, sem ser superficial. Muitos outros detalhes importantes poderiam ser acrescentados. Mas, basicamente, os apóstolos apresentaram o Evangelho em quatro pontos:

a) O pecado

Primeiramente, os apóstolos falaram do pecado. É impossível pregar as Boas Novas de salvação antes de falarmos das péssimas novas de perdição. Só deseja o remédio quem sabe que está doente. Por isso os apóstolos sempre apresentaram o pecado dos seus ouvintes, antes de falarem da salvação em Cristo: “vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23); “matastes o Autor da vida” (At 3.15); “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração” (At 7.51). E Cristo é de tal modo o conteúdo da evangelização que até mesmo o pecado foi apresentado em referência a Cristo! A conseqüência desse pecado é a morte física, espiritual e eterna: “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23).

b) A vida, morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo

Em segundo lugar, os apóstolos anunciaram fatos sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus. Pedro pregou em At 2.24: “Varões israelistas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos; ao qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte, porquanto não era possível fosse ele retido por ela [...] Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo”.

Ao testemunhar de Cristo é necessário falar sobre a obra redentora que Ele realizou neste mundo ao viver, morrer e ressuscitar dentre os mortos. Esse Jesus, que é o Filho de Deus (At 9.19) e o próprio Deus (Jo 1.1; Fp 2.5), foi concebido por obra do Espírito Santo assumindo uma natureza humana (Jo 1.14) e nasceu da virgem Maria. Viveu uma vida sem pecado (Hb 7.26), pregando, ensinando e realizando muitos milagres. Ao final de Sua vida Ele foi crucificado e levou sobre Si os nossos pecados (1Pe 2.24), morrendo a morte que nós merecíamos (Hb 2.9, 14-15). Tanto a vida como a morte de Cristo foram substitutivas: Ele viveu a vida que deveríamos viver e morreu a morte que deveríamos morrer. Porém, Ele não ficou no túmulo: ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, demonstrando assim que Sua obra redentora foi aceita pelo Pai.

Nesse anúncio, a morte de Cristo é central, pois ela foi o ápice de Sua obra redentora para nos salvar do pecado e da morte. Por isso Paulo escreve: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus quanto gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1.22-24).

c) A salvação através de Cristo somente

Em terceiro lugar, os apóstolos sempre deixaram claro que só Jesus Cristo salva do pecado e da morte: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). Isso eles tinham aprendido do próprio Jesus, que disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Assim, eles sempre apresentaram Cristo como plenamente suficiente para nos perdoar de todos os nossos pecados e nos livrar da ira vindoura.

d) A necessidade de arrependimento e de fé em Cristo

Por fim, os apóstolos sempre encerravam o anúncio do Evangelho com um apelo ao arrependimento e à fé em Cristo: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados” (At 3.19); “Por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (At 10.43); “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa” (At 16.31). Cristo morreu pelos pecados do Seu povo e eu me aproprio dessa salvação abandonando os meus pecados em arrependimento e colocando minha fé e confiança em Cristo.

Então, como nós devemos anunciar o Evangelho hoje? Resumidamente, mostrando o pecado dos nossos ouvintes, apresentando os fatos sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus, demonstrando como Jesus é suficiente para salvá-los de todos os seus pecados e como essa salvação está disponível a todo aquele que se arrepende dos seus pecados e crê em Jesus.

4) A Extensão da Evangelização: “tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”.

A última característica da evangelização que podemos extrair desse texto é que sua extensão é global. Os discípulos seriam testemunhas em Jerusalém (a cidade onde se encontravam), Judéia (a província da qual Jerusalém era uma cidade, e que incluía muitas outras cidades), Samaria (uma província que no passado era parte do Reino do Norte de Israel) e até nos confins da terra (outros países do mundo). Em outros dois textos das Escrituras essa verdade também aparece com clareza. Em Mt 28.18-20 Jesus diz: “Toda a autoridade me foi nada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”. Na passagem paralela de Mc 16.15 ele diz a mesma coisa: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”. Vemos, assim, que o alcance da evangelização é mundial.

De fato, pela leitura do livro de Atos, descobrimos que a promessa de Jesus em At 1.8 é exata. Os discípulos testemunharam primeiro em Jerusalém e na Judéia (At 2.14-41; At 3.11-26; 4.5-22; 6.8-7.53), depois em Samaria (At 8.4-25) e finalmente em outros países, os confins da terra (At 10.23-43; 13.1-14.28; 15.36-20-38). Paulo desejou cumprir essa profecia à risca, pois em Rm 15.28 ele fala de seu plano de testemunhar também na Espanha, um dos lugares mais distantes do mundo conhecido na época, literalmente os “confins da terra” para eles.

Nós podemos aplicar essa última parte do texto à nossa realidade atualmente, aqui em Campinas, no estado de São Paulo, fazendo uma equivalência entre as cidades e províncias daquele tempo e as nossas hoje. Campinas é a nossa Jerusalém; o estado de São Paulo é a nossa Judéia; os outros estados do Brasil correspondem à Samaria; e os outros países do mundo são os confins da terra para nós.

Não é difícil perceber que alguns detalhes dessa última parte do texto não se aplicam diretamente a todos os cristãos. Nem todo cristão de Campinas, pode, por exemplo, testemunhar de Cristo em outras cidades do estado de São Paulo, em outros estados do Brasil e em outros países do mundo. Alguns cristãos são especialmente chamados por Deus para anunciarem o Evangelho em distantes regiões do Brasil e do mundo, onde nem todos podem ir. Apesar disso, mesmo que nem todos os aspectos desse versículo se apliquem diretamente a todos nós, existem aplicações indiretas, conforme veremos a seguir. Vamos, portanto, examinar cada uma dessas regiões onde nós, crentes de Campinas, podemos testemunhar de Cristo.

a) Missões locais: Campinas e o estado de São Paulo

Nossa cidade é o primeiro lugar onde podemos anunciar o Evangelho. Campinas é uma cidade grande que está em expansão. Já existem muitos evangélicos e muitas igrejas por aqui. Mas ainda há muito a fazer: vários bairros ainda não foram alcançados pelo genuíno Evangelho e muitos outros, que têm igrejas, não têm recebido um testemunho biblicamente fiel da parte dos crentes professos dessas igrejas.

O primeiro passo é testemunhar de Cristo para aqueles que estão próximos de nós: familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, etc. Compartilhe o Evangelho com eles e deixe que a convivência demonstre a eles como o poder do Evangelho tem transformado a sua própria vida.

O próximo passo é anunciar o Evangelho aos desconhecidos. Isso pode ser feito através da igreja local. A Soli Deo Gloria pode organizar uma equipe de irmãos para evangelizar um bairro de Campinas onde o Evangelho seja escasso. Vocês podem promover uma pregação evangelística em algum lugar público do bairro, como uma praça, para que muitas pessoas ao mesmo tempo ouçam o Evangelho, que é o poder de Deus (Rm 1.16). Depois podem fazer um trabalho de evangelismo e ensino em cada casa do bairro, com o objetivo de, a médio prazo, estabelecer uma nova igreja. Essa é, obviamente, uma sugestão que deve ser planejada e levada a Deus em oração.

Mas nosso testemunho não deve se limitar apenas à nossa cidade. O estado de São Paulo também é um campo missionário. Segundo o IBGE, em 2008, a porcentagem de evangélicos no estado de São Paulo era de 28,2%. Pode parecer um número expressivo, mas muitos desses crentes professos podem não o ser de fato, e ainda há muitas cidades no estado de São Paulo que conhecem pouco ou nada sobre Cristo. Alguém precisa lhes falar das Boas Novas de salvação. Reconheço que anunciar o Evangelho em outras cidades do estado não é tão fácil e que exige um grande esforço e cooperação de vários irmãos. Mas também creio firmemente que uma igreja local unida pode fazer muito nesse sentido. Existem igrejas em Campinas com equipes missionárias evangelizando cidades distantes até três horas de Campinas. Esse é um alvo que a Soli Deo Gloria pode assumir para os próximos anos.

b) Missões transculturais: Brasil e outros países

Eu disse que alguns detalhes do versículo não se aplicam diretamente a todos os cristãos e creio que chegamos a eles. Para anunciar o Evangelho em lugares distantes do Brasil e do mundo é necessário um chamado especial da parte de Deus. Em At 13.2, por exemplo, Deus chama especialmente a Paulo e a Barnabé para pregar o Evangelho aos gentios. Nem todos os cristãos de Antioquia poderiam pregar o Evangelho nas distantes cidades do Império Romano. Foi necessário um chamado divino de pessoas específicas para essa grande obra.

Talvez entre vocês da Soli Deo Gloria exista alguém que Deus esteja chamando ou irá chamar para pregar o Evangelho em distantes lugares do Brasil e do mundo. Talvez você já esteja sentindo esse chamado há algum tempo. Você sente um amor especial por determinado povo e um desejo de lhes falar de Cristo. Às vezes se pega pensando sobre isso durante o dia e sonhando com isso à noite. Outras vezes nem mesmo consegue dormir, tamanha é a pressão que esses pensamentos exercem sobre você. Isso pode indicar que Deus esteja te chamando para uma missão transcultural, no Brasil ou no mundo.

Se isso é assim, provavelmente você tem batalhado com dois dilemas: como ter certeza do chamado missionário e de onde tirar forças para deixar tudo por amor a Cristo e anunciar o Evangelho em lugares distantes.

Quanto à certeza do chamado, essa não é uma questão simples e a resposta pode ser muito subjetiva e pessoal. A forma como alguém toma consciência do chamado varia de pessoa para pessoa. Pode envolver pensamentos, sentimentos e convicções muito fortes. Pode se dar através de circunstâncias da vida, boas e más. Mas o chamado sempre passará, basicamente, por duas etapas: você toma consciência do seu chamado e o seu chamado é reconhecido pela sua igreja. A certeza absoluta do chamado se dá quando essa convicção interior é apoiada pelo reconhecimento exterior dos irmãos que convivem com você.

Quanto à coragem para abandonar tudo e seguir o seu chamado, ela virá naturalmente assim que você tiver plena certeza. Você também pode encontrá-la nesta promessa de Jesus: “Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna” (Mc 10.29-30). Tudo o que você deixou você receberá cem vezes mais neste mundo, e no mundo futuro, a vida eterna. As coisas não serão fáceis, pois você será perseguido, sofrerá privações e sentirá falta de tudo o que deixou para trás. Mas a certeza do seu chamado e a promessa de Jesus te dará coragem para seguir adiante e dizer “sim” ao chamado missionário.

Conheço um homem em Cristo que sentiu seu chamado ao ministério da Palavra bastante jovem, logo após sua conversão. Esse chamado foi reconhecido pela igreja dele algum tempo depois, mas ele ainda não tinha plena certeza de tudo o que seu chamado envolvia. Ele só teve essa certeza depois de conhecer sua futura esposa e entender que Deus o estava chamando para testemunhar do Evangelho a uma distante região do Brasil. Com a certeza veio também a coragem para deixar tudo: sua família, seus amigos, seu trabalho, sua igreja e sua cidade.

Se você está sendo chamado, coloque a mão no arado e não olhe para trás (Lc 9.62)! E que as seguintes estatísticas sobre a evangelização do Brasil e do mundo possam te motivar ainda mais.

O Brasil é um grande campo missionário. Apesar de termos entre 20 a 27 milhões de evangélicos, ainda há muito a ser feito. Existem 258 tribos indígenas no Brasil, das quais 113 ainda não foram alcançadas pelo Evangelho. Na região Norte do Brasil há cerca de 36.157 comunidades sem igrejas. Quem falará de Cristo a eles? Por que não você?

Outros países do mundo também precisam encarecidamente das Boas Novas. 27% da população mundial ainda não foi alcançada. No mundo todo há cerca de 1000 povos que nunca ouviram o Evangelho. 60% das línguas do mundo não têm a tradução de nenhum versículo bíblico sequer! Há muito a ser feito e você pode ser um dos instrumentos usados por Deus para mudar essa realidade!

Por fim, quero me dirigir a todos vocês. Ainda que o chamado de anunciar o Evangelho até aos confins da terra não se aplique diretamente a todos vocês, vocês podem participar dessa obra de duas maneiras fundamentais: orando e contribuindo financeiramente. Assim como em um exército existem aqueles que lutam na linha de frente e outros que ficam na retaguarda dando suporte, assim também com respeito à evangelização.

Intercedam por missionários no Brasil e no exterior, orem por aqueles países onde a perseguição contra os cristãos é cruel, peçam por aqueles povos que ainda não conhecem Jesus, supliquem pelas pessoas que não tem a Bíblia em seu próprio idioma e roguem ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a Sua seara (Mt 9.39)! Mas também abram suas carteiras e bolsas e sejam liberais em contribuir com a obra missionária! E Deus, “segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19).

Conclusão

Irmãos, antes de terminar, eu gostaria de sugerir três livros sobre missões e evangelização. O primeiro é Alegrem-se os Povos (John Piper), que apresenta o fundamento teológico da evangelização: a glória de Deus através da alegria dos povos evangelizados. Os outros dois são biografias de missionários: A Vida de David Brainerd (Jonathan Edwards), que contém o diário de um missionário jovem entre índios norte-americanos, e Completando as Aflições de Cristo (John Piper), que conta a vida e os sofrimentos de três missionários, William Tyndale, Adoniram Judson e John Paton.

Eu espero que as características da evangelização que pudemos extrair do texto desta manhã tornem-se verdades práticas em nossas vidas. Que nós possamos, conhecendo o poder que temos através do batismo com o Espírito Santo e sabendo que nossa nova natureza é evangelística tornando a evangelização inevitável, anunciar o Evangelho com ousadia e com fidelidade bíblica, tendo Cristo como conteúdo e o mundo como campo missionário! Amém.

Notas

1 Wayne Grudem, Teologia Sistemática, pág.639

2 Idem